terça-feira, 21 de setembro de 2010

Ba(da)lada do tempo



Ao soar a meia-noite
Esguicha o sangue das horas
Nos espelhos que se quebram
Ao toque frio das esporas

Braceletes de fumo baço
Estendem-se para lá do poente
Num tempo que já não é passado
E que ainda não é presente

Ao soar a meia-noite
Demónios saem do abismo
Trazem injectadas nos olhos
Marcas brancas de sonambulismo

O tempo entra em colapso
E se afunda num charco de lodo
Lamento apunhalado da presa
A estrebuchar nos braços do engodo

Ao soar a meia-noite
Sussurra o vento nas janelas
E as sombras tatuadas do medo
Andam descalças nas vielas

Não é tarde nem é cedo
No fundo do poço dormente
Fronteira entre o que foi passado
E o que aspira ser presente

Ao soar a meia-noite
Levanta-se o véu da rotina
Mãos erguidas acima dos punhos
Em densas espirais de nicotina

Doze pancadas na porta
Selam um segredo clandestino
Grito rouco que se acende
No orgasmo pálido do destino

Ao soar a meia-noite
Ardem as horas no lume
E a penúria vaga dos ponteiros
Deposita raízes no estrume

No ventre prenhe da madrugada
Cresce o corpo embuçado
Do tempo que ainda não é presente
E nunca será passado

Ao soar a meia-noite
Tombam anjos no labirinto
Pétalas murchas que fenecem
Em turvos jardins de absinto

Nos relógios sem freio
Cavalga a silhueta vazia
Do tempo que não pode esperar mais
E ameaça rasgar o dia

Ao soar a meia-noite
Não há passado nem presente


Declamado pela poetisa Reinadi Sampaio


poema escrito em 2010-06-27
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