sábado, 30 de novembro de 2013

Vestido branco


Um vestido branco afasta-se
como quem caminha
sacudido pela ventania

Um ponto luminoso
no negro da estrada
a ser devorado pela escuridão

O som de passos mutilados
ao encontro do vazio
até se perder para sempre de vista

E tudo o que fica
é a memória dessa ausência
a crescer com a distância

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sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Coisas que nunca haveremos de saber


Um homem sentado debaixo do alpendre
mergulha numa estranha abstração
enquanto espreita o interior de uma ânfora
onde a soma dos dias ali depositados
é igual à distância até agora percorrida
pela sombra que lhe escurece os passos.
E não consegue apartar-se dessa visão.
Como um cordão umbilical que o prende
a um delírio que flui de fora para dentro.
Uma névoa a ofuscar o acrílico da retina.
Um túnel profundo e a perder de vista
onde se transvia em busca de uma luz.
E tudo aquilo que vê nessa transparência
que reveste o fundo argiloso da memória
são os presságios que a ventania juntou
após correr a solidão branca dos trilhos.
A curva onde se cruzam todos os limites
de uma claustrofobia inacabada e futura.
As cores com que se acendem as noites.
Coisas que nunca haveremos de saber.

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quarta-feira, 13 de novembro de 2013

A cor desfigurada das manhãs


A cor desfigurada das manhãs
assume tonalidades de um plástico baço
sacudido pelas engrenagens do frio
e todos perguntam pela luz do sol
sabendo que é só uma memória esbatida,
uma missanga que se esconde no horizonte
corrompida pelo fascínio da sombra

Um presságio atravessa a esteira gasta
onde as mulheres ergueram rezas e feitiços
invocando um alívio que nunca chegou
e todos perguntam pelo fim da noite
sabendo que nenhum deus os escuta
e os céus permanecem acorrentados
à caligem de uma paisagem alcatroada

Banidos de uma sina anunciada pelos profetas
os homens procuram no fundo dos poços
um reflexo que os liberte do abraço do breu
e todos os dias aos oráculos perguntam
com os olhos vidrados pelo desamparo
quem foi que derramou no azul da tela
a cor desfigurada das manhãs

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