Embora se diga que os poetas não necessitam de férias, pois a única coisa que fazem é passar para o papel aquilo que sua voz interior lhes dita, vive em mim um operário, que todas as manhãs se levanta cedo e todo o ano labuta para sustentar o poeta (e a sua prole de insaciáveis roedores), e esse tem direito a uns dias, poucos que sejam, para retemperar forças e se libertar das amarras que o prendem à forja incandescente da rotina; da qual o poeta tem mil e uma artimanhas para se furtar, mas o pobre operário não.
Sendo assim, vou de férias, e não poderei estar aqui na vossa companhia, que enche de luz o ego faminto do poeta e lhe dá o alento que precisa para continuar a tecer a teia que o torna imune àquilo que atormenta o operário.
Voltarei em agosto, com palavras novas, se até lá o poeta não se deixar levar pela ociosidade do sol e o embalar das ondas na rebentação lenta dos dias. Sim, porque as férias são só para o operário…
Deixo-vos com um pequeno poema escrito o ano passado, mais ou menos por esta altura, desejando profundamente que fiquem em paz e não se esqueçam de aqui voltar, também, quando agosto trouxer a espuma branca das novas marés.
FÉRIAS
Vou fugir
pelos atalhos do sol
num cavalo provisório
com asas de andorinha
e alma de ventania
Vou voar
fora de horas
sem esperar pelas manhãs
nem mostrar identificação
sempre que precisar cruzar
o portal branco das marés
Nos campos secretos do verão
enterro no sal das areias
a rotina turva da gaiola
e as feridas de árduas batalhas
reclamando a minha parcela de liberdade
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