domingo, 26 de agosto de 2012

Velhice


Todos os dias acordo num corpo antigo
cada vez mais longe de qualquer destino.
A distância que me separa do horizonte
é maior do que os passos que arrasto
num chão que desaba debaixo dos pés
enquanto sigo o futuro que se esgota
na sombra que se alonga nas dunas
como uma esponja sugando a claridade.

Sou agora um animal enrugado e pálido
a respirar a treva contaminada do poente
com os ombros desfigurados pela ruina
de quem segue o passo lento do cortejo
sem encontrar alento capaz de reverter
a traidora enfermidade destes órgãos;
dormência que embala no frio dos ossos
a cinza indecifrável dos últimos trilhos.

Há uma fogueira com o meu nome aceso
nas labaredas que desenham na paisagem
a sentença de um fogo que me chama
e nenhuma manhã é suficientemente clara
para iluminar o que resta do fôlego expirado
agora que devagar me aproximo da falésia
e me inclino sobre a vertigem do musgo
a contar as horas que faltam até ser dia.


Todos os dias acordo mais longe de mim
na febre de um corpo que já não sou eu.
Cada vez mais perto do lume.


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domingo, 19 de agosto de 2012

Despojos


Dos tempos de escola
já muita coisa esqueci
de tudo quanto aprendi.
As resmas de compêndios e teoremas
que nos enchiam a cabeça
com aquilo que precisávamos decorar
e que nunca nos serviu para nada
esfumaram-se no crepitar das fogueiras
que abraçam a pedra do esquecimento
com longos braços de névoa.
Perdi o rasto ao nome dos reis
que cerziram com heroísmo
a manta do nosso destino exaltado
e a todos os rios e afluentes
que nunca cheguei a conhecer
e que desaguam agora
num rumor de sombras adormecidas.
Já não recordo as fórmulas míticas
de um futuro que nunca se libertou
da ardósia negra dos quadros
e do movimento persistente dos apagadores
traçando um obscuro ritual.

Sobrou apenas desses tempos
o eco monocórdico das tabuadas
repetidas até à exaustão,
a luz inocente dos pátios
onde os sonhos ganhavam secretas asas
nos intervalos do cativeiro
e o mistério dos teus olhos de menina
a esvoaçar numa nuvem de pó de giz.

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domingo, 12 de agosto de 2012

Persistência


As gaivotas desenham na areia molhada
os contornos luminosos do teu corpo
com a luz esverdeada que beberam
na espuma das ondas matinais.
Como dois adolescentes alucinados
ensaiamos no veludo das dunas
o esplendor de um sol de cristal
que não se incendiou ainda
e que repousa em lençóis ocultos
no azul despido do teu ventre
como um enigma de brisa e fogo
à espera de ser decifrado
pela persistência dos meus dedos.

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