sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Azul profundo


Havia um barco que não conhecia o mar
nem o embalo ondulante das vagas.
Nada sabia do mistério das águas
nem das cores que banham os horizontes.
O seu lugar era na imobilidade das margens
preso à madeira ressequida do cais
e ao resignado abraço da vazante.
Nenhum vento lhe soprava as velas.
Nenhum farol acendia o sol dos caminhos.
Nada o libertava do peso das amarras
e do lodo que o imobilizava.
Vivia ancorado ao gelo das dunas
no vazio petrificado do meu peito
num exílio de falésias cercadas
sonhando com as marés inacessíveis.

Até que o amor chegou, pela manhã,
com um temporal de novas sensações
soprando uma rebentação de espuma
na palidez insone do areal,
e o barco ganhou inesperadas asas
rasgando os véus da inércia
e se perdeu na vertigem da distância
traçando os rumos secretos do voo
entre o verde do sonho sem limites
e o azul profundo do teu corpo iluminado.

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sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Recomeço


Quando chegar ao centro perdido do labirinto
depois de desembrulhar todos os mistérios
e me sentar na pedra de musgo da eternidade
a contemplar os espelhos do vazio que me resta,
quem acenderá de novo a luz matinal do choro
que me permita voltar ao inicio do caminho?


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sexta-feira, 11 de novembro de 2011

No orgasmo do último verso



Podemos amar um poema
como quem ama um corpo de mulher
na ânsia febril de um desejo

Beijar as sílabas sensuais
de uma estrofe húmida e macia
num degelo de lábios ardentes

Percorrer os poros palpitantes
de uma fogosa metáfora
como quem se perde nos labirintos
de uma paixão infinita

E o mais alto prazer atingir
no orgasmo do último verso

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sábado, 5 de novembro de 2011

Vertigem anónima



Sigo o rumor cego dos dias curtos
que se esfarelam nos dedos enrugados
de um demónio que habita um saguão de sombras,
por detrás da porta onde pulsa o cabide
em que penduro, ao fim do dia, o rosto que não rima.

Às voltas ainda com a inércia das palavras,
tropeço na abstrata caligrafia da névoa
e na paisagem abandonada dos meus passos,
quando o vento se levanta, sonâmbulo,
nos patamares gastos dos parágrafos cinzentos
e um coro de vogais soletra na encruzilhada
a derradeira luz do dia.

Nenhuma palavra me diz quem sou,
nenhum verso sabe o que faço aqui,
nesta folha suja onde nada escrevi;
tinta seca que o vento corrói
no empedrado dos fonemas onde me perco.

Persigo uma estrofe de incertezas
através da maré de pontos de interrogação
e me afundo num labirinto de sílabas,
sem atinar com o caminho
que me leve ao final do poema
ou me faça regressar à luz do primeiro verso.


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