Não, eu não sou poeta.
Humildemente me confesso.
Não passo de um usurpador.
Alguém que se alimenta da palavra alheia,
como o parasita que bebe o sangue
ainda fresco do animal moribundo.
Nada sei daquilo que escrevo.
Tudo o que digo vem da voz inquieta
que me visita no sobressalto das noites,
um fantasma solitário que me habita as profundezas
recitando os versos encharcados
de um delírio que lhe fere os sentidos;
e me escolheu para legar o espólio
de uma febre incógnita e sem limites
que lhe incendeia o espírito.
Aceito a tarefa de dar luz a essas palavras
que crescem no coração da sombra;
embrulho-as na tinta azul dos dedos
e disponho-as, em breves camadas,
nas folhas despidas do caderno.
Coloco uma virgula ali, um ponto acolá,
apenas para manter um certo equilíbrio,
mas nada altero àquilo que foi dito.
No final, acrescento-lhe uma data e assino,
fingindo que fui eu quem as escreveu.
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