domingo, 28 de novembro de 2010

2012



Sondo o futuro
com os olhos apocalípticos do profeta
bebendo a treva do caos
na malga de sangue
dos impérios desmantelados.

À minha volta,
tudo se desmorona
numa vertigem de sinos
e ânforas quebradas.

Todos os sinais se completam.
Todos os horizontes se fecham
no ponto sem retorno
do fim dos caminhos
e no clamor dos abismos
a retornarem ao pó e às cinzas.

Atrás do reposteiro escuro
do consumar dos séculos
desfolho, lentamente,
as ultimas folhas do calendário,


o derradeiro salmo dos condenados.


poema escrito em 2010-11-27

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Amores moribundos



Ouço ainda o rumor dos teus lábios de cinza
a espernear de encontro às tábuas gastas do meu peito,
e dou por mim, num delírio febril,
a murmurar as sílabas nostálgicas do teu nome,
que dançam, numa vertigem de fumo,
ensombrando os versos obscuros do poema.
Um pássaro de cera derretida,
pousado no luar arruinado dos meus ombros,
digere a ressaca de um eco distante,
no vazio destroçado do papel,
onde tento fixar as últimas sombras
do teu sorriso desfeito.

Vozes escondidas murmuram nos recantos da memória
a litania decadente dos ventos,
invocando, num ranger de ossadas,
a réstia contaminada de remotos sonhos
enterrados dentro de mim.
Sacudindo o feitiço,
acendo as palavras efervescentes do teu nome
e deixo-as, a queimar, no rebordo encardido do cinzeiro,
entre duas baforadas de fumo baço
e a insónia lenta da tua ausência,
renegando para os confins do poente
aquilo que já não me serve.

Esta noite, num derradeiro gemido,
entrego o teu rosto calcinado
às chamas fugazes do esquecimento
e, definitivamente, te fecho a porta.


poema escrito em 2010-11-18

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Segunda-feira


Lavo a cara com o primeiro café da manhã
que derrete a remela no fundo cego dos meus olhos
e me ajuda a suportar o choque oblíquo dos raios solares
que se riem, por detrás da colina, do meu rosto desbotado.
Acendo uma nuvem de fumo denso e sufocante
que me guia na orla convulsa da rebentação
e caminho encostado à cal efervescente dos muros,
com a mágoa de quem vai recomeçar tudo de novo
e uma vontade moribunda, presa por gastos arames.

Sirenes de chumbo rasgam o orvalho preguiçoso
e vêm pousar as garras nos meus ombros curvados
que arrastam o passo nas alamedas da madrugada
por entre o rumor azedo de roldanas cariadas
e o grito estéril do cristal vacilante das manhãs.

Acendendo o rastilho das horas que me vão devorar,
alumiadas pelo pasmo renitente das gambiarras do vento,
escondo o corpo nas prateleiras enferrujadas do armário
junto com a roupa que penduro em cabides de plástico,
e é já só minha sombra quem trespassa o vítreo portal
mergulhando a pique nas ravinas viciadas da semana.




poema escrito em 2010-08-19

domingo, 21 de novembro de 2010

Tédio



No silêncio da pedra esculpida,
almas sem identidade
mergulham na sonolência dos arbustos,
à sombra dos jardins arruinados,
conspirando, num esgar de imobilidade,
a secreta cegueira do tédio
no musgo das primaveras encalhadas.


poema escrito em 2010-11-18

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Cada vez que respiramos



Cada vez que respiramos,
um incêndio de sol
rasga, num sonâmbulo equilíbrio,
a bruma cega do mármore,
abrindo uma nova janela
no litoral negro do abismo.

A pulso,
um pássaro de oxigénio
escala a engrenagem metálica
de um sinuoso horizonte,
irradiando,
num silêncio de narinas,
o cristal sereno das marés,
pousadas numa ilusão de eternidade.


A mortalha breve do tempo,
aspirando o pólen matinal,
suspende o abraço de gelo
que cerca a métrica azul
de uma metamorfose de estrelas,
adiando uma vez mais
o bordado húmido da terra
e resgatando, ao pranto dos labirintos,
o voo suspenso da quimera,

cada vez que respiramos,
iludindo
o murmúrio transparente da morte.



poema escrito em 2010/11/17

domingo, 14 de novembro de 2010

Duas datas e um nome


Duas datas decoram a lápide velha
sobre o musgo da terra revolvida.
Um principio e um fim.
A definitiva duração de uma existência
reduzida ao mármore frio dos números;
herança derradeira de um sonho corrompido,
a ser devorada pelo vazio silencioso.

Por cima dessas duas datas,
que traçam o diâmetro de uma vida
cujo circulo se fechou,
um nome esculpido com letras negras
é tudo o que resta de uma efémera história,
o parágrafo breve e derradeiro de uma página
abandonada ao rigor dos invernos
e à desolação sombria do esquecimento.

Ninguém mais recorda esse nome
que o chão um dia engoliu
no ermo incógnito das colinas,
onde a tristeza datada de uma lápide
retém o único sinal da sua passagem.


poema escrito em 2010-11-08

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Rugas


Sinto-me a transformar na sombra de um outro eu
que emerge na febre das margens puídas,
onde um esgar de espelhos deformados
desenha os mapas de uma erosão vertiginosa.
Um arado de unhas encrespadas e frias
abate-se sobre as cearas do meu corpo,
rasgando o efémero vigor destas muralhas
contaminadas pelo orvalho corrompido do poente.

A sombra trémula de um manto de ruínas
obscurece a laje encardida do meu rosto,
onde o musgo velho da pele retraída
rumina o gelo de estranhas conspirações,
e o efémero brilho de uma frágil luz
ancorada num sonho de eterna juventude
se desfaz na penumbra crepuscular
de um eclipse de primaveras amputadas.

Sucessivas marés fustigam as falésias
com chicotes de lama e despojos de ventania,
deixando nos átrios devastados da rebentação
um labirinto de caminhos bifurcados,
onde o fulgor esbatido da minha face rasgada,
se perde na sombra disforme de um outro eu.


poema escrito em 2010-11-09

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Memórias fugidias



Chegaste na luz dos pássaros
que rebentavam nas gengivas da manhã
agitando rumores dispersos
no cascalho corroído do céu da boca

mas logo te desfizeste numa nuvem de pó
quando esfreguei o cio das olheiras
e tentei morder os lábios


poema escrito em 2010-08-21

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Dia dos mortos



Flores frescas na laje fria
decoram a solidão dos sepultados,
o luto saiu em romaria
celebrando o dia de finados.

Faces de dor tatuadas,
pequenos corações em pranto,
no mármore das campas seladas
o epitáfio triste do desencanto.

Mãos fechadas contra o rosto,
altar de sonhos vencidos,
orações e silêncio deposto
em honra dos entes perdidos.

Na névoa da manhã que esfacela
ressoa o cortejo do sofrimento
e o ranger aflitivo da cancela
batida pelos punhos do vento.





poema escrito em 2009-05-31
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