Depois dos cinquenta
o caminho torna-se mais inclinado.
A descida acentua-se
numa descontrolada vertigem
que invariavelmente termina
do outro lado do rio
num desamparo
sem margens nem retorno.
Entretanto
regressam as vozes da sede
e o corpo se transforma num deserto
onde a febre e o pó
lentamente escavam na areia
a dormência de uma cegueira nova.
A anunciação do sono
que há de chegar.
A paisagem regurgita
para um cálice que o vento sorve
resquícios oxidados de sémen
e tudo o que se foi acumulando
à volta da pele enrugada
despojando-se daquilo que lhe foge
e já não nos pertence.
Nem nunca pertenceu.
Falta-nos ainda assistir
através das janelas embaciadas
à derrocada da claridade.
O recorte último da ruína
a preparar os trilhos da ausência
que o ocaso celebra já
sob o velho alpendre onde repousa
aquilo que nos prende ainda à vida:
A delapidada ilusão de querer ver
os filhos seguindo seus próprios atalhos
sem receio de se perderem
e ter ainda uma réstia de lucidez
e algum alento extra
para acompanhar os netinhos ao jardim.
Como uma derradeira prova a superar
antes do acerto final de contas.
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