sábado, 31 de dezembro de 2011

Calendários vencidos


No rosto renovado dos calendários
não cabem os dias antigos
nem a glória daquelas tardes
em que, descalço
trepavas ao cimo das figueiras
e te achavas dono do destino.

Os cântaros de barro já não guardam
as águas puras da fonte
onde bebias a luz das manhãs
mitigando uma sede de conquista.

Um outono cego e traiçoeiro
diluiu o colorido do horizonte
no vento que inquinou todas as memórias
com um rumor de chuva e folhas mortas.

Para lá da cancela que guarda o tempo
a tua infância perdeu-se
no bosque de sombra estagnada
onde vão morrer os calendários vencidos.

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FELIZ 2012

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Roda Viva


As crianças dão as mãos 
e formam uma grande roda 
onde a voz secreta do fogo 
liberta as eternas melodias 
capazes de suster por momentos 
o zumbido silencioso da morte 

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FELIZ NATAL
A TODOS AQUELES QUE ME VISITAM
E TORNAM POSSÍVEL ESTE SONHO
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sábado, 17 de dezembro de 2011

Na volúpia do teu corpo incendiado


Sente o vento lambendo as janelas
com cristais de chuva
escrevendo o meu nome
nos vidros embaciados
onde em silêncio me esperas

Recolhe esse sopro inquieto
que de longe te estendo
numa maré de esvoaçantes desejos
a rebentar de encontro às muralhas
da tua transparente nudez

enquanto refaço em segredo
os passos que me faltam
para abraçar tua claridade dispersa


Gastei todos os meus dias
perseguindo teu perfume serpenteante
no chão íngreme da distância
onde os sonhos envelheceram
numa ilusão de pálpebras gastas

à espera de ver acender nas margens
a fogueira que guia na noite
os passos que me restam
para finalmente me perder
na volúpia do teu corpo incendiado

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quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Alfabetos de fumo


O poeta não é a estrela da manhã
espargindo luz sobre o mundo
nem o mensageiro branco
que cruza os caminhos do pó e da insónia
carregando a boa nova.
Não é o messias apregoado
que navega desertos de perdição
com o facho aceso de todos os milagres
para exorcizar as dores do mundo.
O poeta não veio para salvar ninguém.
É feito do barro que coseu em lume brando
no suor ofegante das fornalhas
onde se molda a litania dos ossos
que rangem por dentro da noite
e do cristal de errantes sonhos
a desenhar na cal baça dos muros
a rima imperfeita de todos os destinos.
O poeta traz no soluço exaltado
a revolta de uma cegueira de sílabas
a abraçar chicotes de ventania
e um tambor de tinta a martelar metáforas
e a dar forma de lágrima
ao sal resignado das palavras
que lhe rebentam entre a espuma das mãos
na luz mortiça dos candeeiros de quarto
onde todas as sombras se congregam
desenhando o sobressalto dos sentidos
acantonados num enredo de raízes.
O poeta busca na métrica sinuosa do silêncio
as palavras que não nasceram ainda,
a alquimia secreta e efémera do verbo
a exorcizar uma agonia de asas trémulas.
Num minucioso ofício de redenção
mergulha na luz oculta dos labirintos
carregando sobre os ombros vergados
um remoinho de existências vencidas
e a caligrafia de uma febre sobressaltada
embutida na miragem fugaz do poema.
O poeta não se deslumbra com as jóias falsas
de uma quimera fabricada no plástico dos moldes
nem com o excesso de luz que desagua
na errância dos caminhos que vestem
o júbilo amordaçado de lúgubres claustros.
Sobre o fundo negro das tormentas
liberta da solidão ofegante das ardósias
a luz dos gritos incontidos
e tudo aquilo que espera para ser dito
no traço hesitante do giz
que sulca o nervo inquieto do verso
cerzindo com o cinzel encrespado dos dedos
a canção dolente das cinzas
nos proscritos alfabetos do fumo.
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sábado, 3 de dezembro de 2011

Diário económico

A bolsa abriu hoje
com nova sessão no vermelho.
Em queda acentuada
os principais índices
voltaram a bater recordes
em contra ciclo
com o colapso dos contribuintes.
Especialistas anunciaram
o estudo de uma vacina
para combater
o nervosismo crónico dos mercados
e a ameaça de contágio
aos restantes pacientes.

Com o objetivo de debelar
o bacilo galopante da falência
governos congelam salários
e aumentam impostos;
fixam a idade da reforma
nos noventa e nove anos
processando todos aqueles
que não cumprirem essa meta.
Como consequência da medida
a Moody’s já anunciou
um novo corte
no rating das agências funerárias
alertando para a instabilidade
no setor da necrologia.

O banco central prepara
uma injeção de capital
para retoma económica
da europa moribunda
incentivando os países
a contrair novos empréstimos
para pagar dívidas e taxas
de juros já vencidos.
Especuladores manifestam-se
contra pacotes de resgate
e quaisquer tentativas
de contenção de gastos
enquanto os credores uivam
às portas da mansão em ruínas

e Atenas
é consumida pela fúria das chamas.

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