domingo, 10 de outubro de 2010

Infinita paciência do tempo



Não sei de onde vim, nem o que sou
por detrás desta máscara de terra batida;
pálido reflexo de anjo adormecido
no silêncio de um areal de trevas.
Sei apenas que vim de longe,
dos remotos desertos da existência
e da poeira moribunda dos séculos,
como um peregrino sem norte
na solitária busca de uma miragem
para lá dos horizontes de janelas interrompidas.

Nos meus braços enredam-se sonhos mortos
e uma teia de abismos encadeados,
e tudo parece tão anestesiado e distante
neste turvo cenário de labirintos cruzados
e decadentes enigmas sem solução,
onde, fria e ondulante,
se espraia a mordaça da solidão.

Sem revelar minha identidade,
sigo o apelo sufocante dos sentidos
no dobrar decrépito de sinos distantes,
sempre a fugir do naufrágio
e do sombrio perímetro do gelo,
iludindo o peso ancestral dos mitos
e a precoce morte das manhãs.
Sem poder voar,
atravesso a nado os penhascos da dor,
visto-me de dissimuladas aspirações
e me escondo na aparência gélida das estátuas,
forjando escudos de alento
no seio da mentira que me cerca,
em busca de dias melhores.

Digerindo o fúnebre veneno destes dias
e as carícias melancólicas do gelo
no vidro polido do meu rosto,
enterro meus segredos no bojo do areal,
desato os nós ensebados da indiferença,
e finjo sofrer da mesma alucinação colectiva
que tolhe os ossos paralisados dos espantalhos.

Só não consigo
iludir a infinita paciência do tempo.






poema escrito em 2010-05-01
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2 comentários:

alma disse...

Runa,

neste hiato de madeira, o calafrio do desassossego, da procura incessante.

retenho este poema, como um dos mais belos que já li.

bj

Anónimo disse...

Runa,

"só não consigo iludir..." os olhos
então tenho que te dizer que adorei este teu poema

Abraço

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