terça-feira, 5 de outubro de 2010
Álbum de família
Sobre o mogno escuro dos meus olhos
estendo o velho álbum de fotos de família
e deixo os mortos respirarem, por instantes,
a luz estagnada deste entardecer.
A preto e branco, os fantasmas da memória
regressam com seus fatos domingueiros,
sacudindo a poeira de uma resignada ausência.
As mulheres trazem sorrisos manchados de tristeza
evocando o fascínio das eras de outrora
sepultadas nas ruínas de uma névoa distante
e, os homens, cofiando longos bigodes,
conservam ainda o mesmo ar taciturno e pose viril.
Míticos rostos que perderam o dom da fala,
mas que as esponjas da morte não apagaram totalmente
lá nas tumbas frias e perdidas onde pernoitam.
Imagens que se acendem nas lareiras da saudade,
ao som melancólico de uma extinta banda de coreto,
rasgando véus e teias de um esconso abismo.
Durante algum tempo, suspendo a fúria dos relógios,
e deixo que os mortos, num pestanejar de cinzas,
cruzem as paisagens arruinadas da manhã,
recordando sua breve passagem pelo mundo;
antes de recolherem de novo ao vazio enclausurado
do abandono sombrio onde agora pertencem,
esgotando o brilho efémero que subitamente se dilui
no baque crepuscular da contracapa.
poema escrito em 2010-07-28
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3 comentários:
Runa
Posso "sequestrar" este poema para o meu blog? Espero que sim...
Quero acreditar que os mortos dos meus álbuns de família sintam a minha falta tanto quanto a que eu sinto deles. Como na letra da música do Biquíni Cavadão, é difícil viver carregando um cemitério na cabeça...
Abraços.
Olá, Elis
Obrigado pela visita. Sequestra os mortos que quiseres...
Abraços
Da minha família sou como o guardião de memórias, guardo cartas, fotografias... deixo, aproveitando seus versos, os mortos respirarem...
Abraços,
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Abraço. Volta sempre.
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