Lavo a cara com o primeiro café da manhã
que derrete a remela no fundo cego dos meus olhos
e me ajuda a suportar o choque oblíquo dos raios solares
que se riem, por detrás da colina, do meu rosto desbotado.
Acendo uma nuvem de fumo denso e sufocante
que me guia na orla convulsa da rebentação
e caminho encostado à cal efervescente dos muros,
com a mágoa de quem vai recomeçar tudo de novo
e uma vontade moribunda, presa por gastos arames.
Sirenes de chumbo rasgam o orvalho preguiçoso
e vêm pousar as garras nos meus ombros curvados
que arrastam o passo nas alamedas da madrugada
por entre o rumor azedo de roldanas cariadas
e o grito estéril do cristal vacilante das manhãs.
Acendendo o rastilho das horas que me vão devorar,
alumiadas pelo pasmo renitente das gambiarras do vento,
escondo o corpo nas prateleiras enferrujadas do armário
junto com a roupa que penduro em cabides de plástico,
e é já só minha sombra quem trespassa o vítreo portal
mergulhando a pique nas ravinas viciadas da semana.
poema escrito em 2010-08-19
5 comentários:
cronos é implacável, não tem pena dos mortais.
espaço apuradíssimo, voltarei com prazer.
(agradeço sua generosa visita)
Runa,
....acendendo o rastilho nas horas que me vão devorar.
perante isto que mais dizer?.
bj
Na "orla convulsa da rebentação" , protegemo-nos agarrados às conchas e, de mãos submersas no movimento lento das areias, esperamos o encantamento próprio dos dias diferentes.
Lindíssimimo Runa... e profundamente inspirador!
Um beijinho
"...já só minha sombra quem trespassa o vítreo portal
mergulhando a pique nas ravinas viciadas da semana". Forte! Intenso!
há força aqui...
acenda-se o rastilho com a tua bela poesia
abraço
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