terça-feira, 25 de janeiro de 2011
A noite em que eu morri!
Ao abrir a derradeira porta do labirinto
quebra-se a casca fina do feitiço
e o meu corpo suspenso, despenha-se
do alto da falésia que separa
o mundo dos vivos do mundo dos mortos.
Sem choro nem lamentos, despeço-me
do que resta do meu corpo rasgado,
enquanto alguém, de rosto velado,
chega no dorso de um cavalo ofegante
e me atira, como uma pedra gasta,
para o fundo de uma caixa negra.
Uma multidão de rostos angustiados
reúne-se em redor dos meus restos,
num obscuro circulo de véus negros,
entoando uma melancólica ladainha
com a voz mutilada por uma foice de névoa.
Quando, por fim, a multidão se desvanece
por entre as clareiras difusas da noite,
e um sopro de gelo me abraça a alma;
não resisto à tentação de fazer uma fogueira
com as tábuas envernizadas do caixão,
e nela queimo todas as recordações
que me prendem ainda às teias da vida.
Com a mortalha rendada que me vestiram,
envio sinais de fumo para um céu de cinzas,
na fremente esperança de comunicar
com aqueles que me precederam,
e que certamente me aguardam,
algures, do outro lado da colina.
Quando a fogueira fica reduzida
a um amontoado de brasas incandescentes,
sem que ninguém responda ao meu apelo,
arrasto-me num voo de passos sonâmbulos
seguindo o estranho curso do rio
que serpenteia entre sombrias margens,
até chegar ao pontão de um cais abandonado,
onde me sento, num silêncio de defuntos,
à espera que chegue a embarcação do infinito.
Então, alheia à minha morte precoce,
tu voltas-te, fazendo ranger a cama,
e tudo se esfuma, como que por encanto,
na luz difusa que banha o quarto
por entre as frinchas horizontais da persiana.
E eu, de olhos esbugalhados,
sento-me numa ponta desolada da cama,
envolto no mutismo sombrio
que cerca os precipícios da madrugada,
à espera..., não sei do quê.
_
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15 comentários:
Runa...
Passando nessa tarde quente de verão... para deixar meu beijo vermelho!
Seu texto ficou riquíssimo e belíssimo!
Sil
Com carinho
Impressionantemente belo...
Runa,
que te dizer desta morte em vida, quando tudo ao redor se parece com um naufrágio de lenços apagados.
bj
O que dizer se a perfeição já se encontra em todos os seus versos? Palavras construídas entre a solidão e resquícios do que um dia foi vida.Parabéns, Runa!
Abraço
muito obrigada por seguir, seguindo tmb!
tenha uma otima semana!
Oi, Runa, tudo bem?
Acho que ser humano é viver sempre à espera do que para sempre permanecerá sendo uma dúvida.
Belo poema.
Abraço.
Runa,
importa, antes do mais, agradecer-lhe ser meu seguidor. Importa agora dizer-lhe de que o venho a ler com todo o respeito que a sua palavra me merece, que vou continuar a ler, que gosto do que leio, que lhe reconheço enorme talento e, por fim, que é um privilégio poder encontrar qualidade de escrita como a sua.
Vou linkar o blog, voltarei.
Gratidão e um abraço
Mel
Olá Runa,
Pesadelos reais!(?)
São pequenas as minhas palavras, para comentar a grandeza dos teus escritos.
Gosto muito de te ler! Mesmo quando não comento, por não encontrar palavras capazes...
Bjs dos Alpes
OLá Runa!
Li cada uma destas linhas... e me senti como quanto estive doente ano passado... escrevi algo parecido com tua postagem, medos, delirios, devaneios... a solidão, e a dor, pela vida que parecia entrar por um fino tubo, quase não me tocando, e sempre sonhava com lugares frios, sombrios, talvez a realidade que tinha em mim...
Falando mais que sério, me emocionou este texto...
Muito lindo, Runa, parabens e obg pela visita! Desculpe-me por comparar seu texto a um momento meu...bjos no coração e se cuida...
Runa,
Quantas vezes teremos que morrer em vida ?
Belo e intenso do começo ao fim ...
Adoro te ler !
Bjo.
O terror da morte iminente
Runa, não canso de dizer: Vc tem um talento, uma sensibilidade capaz de nos levar para dentro do poema e sentí-lo.Isso me encanta!
Adorei!
****************
Sobre o "Concepção", desta cartola, não sai mais coelho,rssrs.Obrigada pela visita e pela bondade de seu comentário.
Abração!
Runa, poeta querido, a morte em vida é algo terrível. Eu mesma já bebi dela algumas vezes.
Lindos os seus versos!
Beijos
A vivência da morte assim narrada é um pesadelo na mais ampla acepção da palavra.
Para além do abismo escorre ainda a vida na procura dos outros que ali deveriam estar, mas não estão... Arrepiante esse deambular (busca) após a morte.
L.B.
Que coisa linda seu poema.
A poesia é o toque que espalha no ser a vida.
Sua visita me honrou.
BeijooO*
Runa,
Isto não foi um sonho, mas um pesadelo, do qual consegui fazer parte... a viagem foi inacreditavel!!! me convida para a proxima que o convite já está aceito... beijos...
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Abraço. Volta sempre.
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