sábado, 5 de novembro de 2011

Vertigem anónima



Sigo o rumor cego dos dias curtos
que se esfarelam nos dedos enrugados
de um demónio que habita um saguão de sombras,
por detrás da porta onde pulsa o cabide
em que penduro, ao fim do dia, o rosto que não rima.

Às voltas ainda com a inércia das palavras,
tropeço na abstrata caligrafia da névoa
e na paisagem abandonada dos meus passos,
quando o vento se levanta, sonâmbulo,
nos patamares gastos dos parágrafos cinzentos
e um coro de vogais soletra na encruzilhada
a derradeira luz do dia.

Nenhuma palavra me diz quem sou,
nenhum verso sabe o que faço aqui,
nesta folha suja onde nada escrevi;
tinta seca que o vento corrói
no empedrado dos fonemas onde me perco.

Persigo uma estrofe de incertezas
através da maré de pontos de interrogação
e me afundo num labirinto de sílabas,
sem atinar com o caminho
que me leve ao final do poema
ou me faça regressar à luz do primeiro verso.


_______________________________________________________
Post views: counter

11 comentários:

Reinadi Sampaio disse...

Bom ver-te de volta... a escrever...

Na coragem das palavras proferidas,
Na essência das idéias transmitidas,
Na quimera das emoções ousadamente faladas,
Na expressão incontrolável do pensamento,
Na beleza da arte...
Ciência ou dom...
O poder de uma caneta...
Como uma seta projetada num alvo...

O silêncio de uma escrita,
Sendo das coisas mais silenciosas...
Mais silencioso que o voo de uma andorinha...
Ou uma “echarpe” de seda ao vento...
E quando exposta... Tudo que ela move...
O poder com que nos atinge...
A dinâmica que provoca...
Que rompe barreiras e cria emoções,
Emoções impensáveis...

Um grande abraço fraterno.
Flor.

mfc disse...

Sempre perseguimos um objectivo... um sonho!
É essa a nossa forma de vivermos!
Parabéns pela muita força das tuas palavras!

Patrícia Pinna disse...

Boa noite, Runa. O seu poema é perfeito, e a última estrofe me diz muita coisa. A palavra também não diz quem sou, perdida fico, sem rumo e direção, absorta em meus pensamentos que vagam e sentem-se sós.
Você tem um jeito admirável de escrever do qual eu gosto muito.Na minha postagem atual, de um modo, você também faz parte.
Um beijo, e fique com Deus!

Olinda Melo disse...

Caro Runa

É nesta busca que nos realizamos. A procura de palavras,sílabas,fonemas para nomear aquilo que sentimos em relação ao que nos rodeia é uma tarefa meritória, faz-nos tomar consciência da realidade das coisas.

Gosto muito da sua escrita, dos seus poemas.

Abraço

Olinda

Flor de Jasmim disse...

Runa meu amigo
È nesta persiguição que está a nossa realização do dia a dia, quando não é em vão.
É imprecionante como consegues por palavras transmitir o que por vezes eu sinto, apenas as palavras fogem-me e eu fico a sufocar por não as dizer.
Beijo e uma flor

Maria Emilia Moreira disse...

Belo poema!Uma imensa criatividade, uma pluralidade de sentidos, o dom de expressar ideias e emoções com uma grande arte.

Penélope disse...

E são os tropeços na caligrafia ainda em névoa que nos fazem tecer os mais belos poemas.
Abraços

CF disse...

O poema quando é bom nunca terá fim!!!
Sempre à espera de novos olhares e rimas...:)
Abraço

rosa-branca disse...

Lindo meu amigo como tudo o que escreves, mas sempre com tanta nostalgia. Já tinha saudades de te ler. Adorei. Beijos com carinho

Marinha disse...

Forte e belo!
"Persigo uma estrofe de incertezas
através da maré de pontos de interrogação
e me afundo num labirinto de sílabas,
sem atinar com o caminho
que me leve ao final do poema
ou me faça regressar à luz do primeiro verso."
Estava com saudade de tua poesia enfática e de uma verdade aguda!
Bjo e paz.

Unknown disse...

Runa,

"por detrás da porta onde pulsa o cabide
em que penduro, ao fim do dia, o rosto que não rima."

Todo sentido da poesia está no revelar verdades do humano.
Parabés, poeta.

Grande abraço,

Anna Amorim

Enviar um comentário

Obrigado pela visita. Se puderes, deixa uma mensagem.

Abraço. Volta sempre.

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...