sábado, 26 de março de 2011

Alzheimer


















Ruiu a ponte gasta
que me levava à outra margem
e nenhum barco avisto
deste lado do silêncio.
O dia fecha-se num ocaso salino
e a luz desvanece-se
num voo de sombras perdidas
sobre o leito seco da memória.
Como uma estrela decadente
atraída pelo buraco negro do vazio
tombo no fundo cego
de um alçapão de névoas.

Não sei já quem sou
ou aquilo que algum dia fui.
Tudo se desvanece dentro de mim
numa maré de poeira e esquecimento.
Não reconheço nenhum destes vultos
que murmuram nos véus da penumbra
nem o brilho anónimo e distante
dos olhares que se confundem
numa metamorfose de rostos sem feições.
Confuso, vacilo na retina enferrujada
de um labirinto de fantasmas
mendigando o sol exilado
de velhas lembranças que me pertenceram.

Órfão de um passado sem retorno
persigo o cortejo de sombras
nas paredes caiadas de escuridão
por entre a luz que me resta
e ecos que o vento, ocasionalmente,
traz do outro lado da margem
onde completamente me perdi
à procura de mim.

_______________________________________________
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23 comentários:

M. disse...

Ia comentar mas esqueci-me-e do que ia dizer...:)

Fazer um texto destes sobre este assuntos...Nada fácil. Mas o resultado é espantoso;)

Emilene Lopes disse...

Fiquei sem palavras, mas M disse tudo...
Um texto maravilhoso!

Bjs

Mila

Rô... disse...

pois é...

ter Alzheimer é romper os laços com o presente,
não esperar pelo futuro,
e viver para o passado...

realidade muito triste
bom fim de semana...

Passos silenciosos disse...

Olá Runa!
Excelente texto meu amigo.

"Não sei já quem sou
ou aquilo que algum dia fui.
Tudo se desvanece dentro de mim
numa maré de poeira e esquecimento."

\o/\o/Aplaudindo de pé!
Bjos neste coração de ouro!

Maria Auxiliadora de Oliveira Amapola disse...

Bom dia, meu querido amigo.

Seu texto me emocionou tanto...
Você detalhou de uma forma muito profunda e poética.

(O pai de uma amiga minha, sofre dessa doença.)

Um grande abraço.
Tenha um lindo domingo, cheio de paz e alegrias.

Muito obrigada pela honra da sua visita, e pelo comentário. "O prazer de brincar numa gangorra muito comprida, é como voar de verdade... Voar como um pássaro"

Vivian disse...

Bom dia!!

Nossa!!Você sempre me tira o fôlego!Impressionante!
O esquecimento de tudo, de si mesmo é aterrorizante!!
Escreveu com maestria!
Beijos!!

Anónimo disse...

'Um mal progressivo'
tão simplesmente..

bom domingo pra tí ..

Maria José Rezende de Lacerda disse...

Nunca li nada tão belo sobre algo tão triste. Parabéns. Beijos.

Mari Amorim disse...

Quando a vida na verdade termina!
Obrigada pelo carinho da visita,e por compartilhar
amizade.Muitas dádivas!
Mari

Vera Celms disse...

Acho que você conseguiu resumir bem o que é o sintoma do Alzheimer:
Ruiu a ponte gasta
que me levava à outra margem
e nenhum barco avisto
deste lado do silêncio.
O dia fecha-se num ocaso salino
e a luz desvanece-se
num voo de sombras perdidas
sobre o leito seco da memória.

REalmente, é ferrugem das retinas...
de um labirinto de fantasmas
mendigando o sol exilado

Acho que é pena mais dura que a morte... é morrer em vida. Que Deus nos livre desse impiedoso alemão...
Beijos

Letras estelares disse...

O retorno para sacrosanta ignorância dos significantes que a velhice confere. Ao mesmo tempo chave do claustro que o corpo encerra. Algema dos iguais, laços de sangue que se evidenciam na responsabilidade inerente à teia das moiras. Muito belo, realmente muito belo. Já sentia saudades de ti. Grande abraço, é sempre um prazer provar da tua profundidade poética e estética.

Sandra Subtil disse...

É curioso como na vida , mesmo o lado mau tem poesia e pode ser belo.
O teu poema emociou-me. Profundo, tocante, verdadeiro, arrepiante...

Perola disse...

Boa tarde,muito obrigado pelo carinho da sua visita.
Eu faço minhas as palavras dos seus amigos.
Complicado desenvolver um tema tão triste e vc fez isso com louvor.
Parabénssssssssssssssssss.
Beijos.

Ani Braga disse...

Oi querido,


Lindo texto, como todos os que saem de uma alma tão linda como a sua...

Beijos

Ani

Hellen Caroline disse...

Nossa,que profundidade!
Forte,e verdadeiro,gostei.
Beijos

Algo meio Assim disse...

Essa eterna busca... Quanto mais pensamos estar próximos de nós mesmos, mais nos apercebemos o quanto ainda precisamos... Ficamos feito a origem da vida, quanto mais se evolue a técnologia para estudá-la, mais distante se fica do ponto de estudo...
Seu transformar é maravilhoso, amigão!!!
Continue nos brindando com essas reflexões!!!

Janita disse...

Terrível e cruel doença, que rouba todas as lembranças e deixa o vazio e o nada.
Muito belo o poema sobre algo que merece um pouco de luz e muito amor.
Parabéns.
Janita

2edoissao5 disse...

minha tia querida sofre desse mal que aprisiona a pessoa no proprio corpo...

Julliany kotona disse...

O tema é tocante e suas palavras mais ainda parabéns soube se expressar com perfeição.
gostei do seu blog estou a te seguir sempre estarei por aqui a te ler e comentar bjos de bom dia.

Maria Auxiliadora de Oliveira Amapola disse...

Bom dia, querido amigo.

Um grande abraço.
Tenha um lindo dia de paz.

Reinadi Sampaio disse...

Meu amigo querido,
Às vezes venho aqui, fico lendo... lendo... relendo... E busco explicações para as coisas que escreves - pela profundidade, por toda a diferença da tua forma de escrever... - Explicar tua poesia? Quem sabe se retornássemos aos mitos? Poeta! Poeta escolhido para transmitir...

Aqui, tua amiga, mais uma vez emocionada diante da tua poesia... Uma doença cruel, belamente dita numa poesia.

Flor.

CF disse...

Que texto magistral...
Não sei que mais palavras o possam descrever...

PS: vi que está a seguir o meu blog "passos da ilha" e vim cá espreitar. Preferi comentar este texto pois é uma realidade que conheço.
Parabéns

Poema as Bruxas disse...

Obrigada pela visita ja estou a te seguir adorei seu blog
thé

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