segunda-feira, 4 de junho de 2012

Palavra alheia


Não, eu não sou poeta.
Humildemente me confesso.
Não passo de um usurpador.
Alguém que se alimenta da palavra alheia,
como o parasita que bebe o sangue
ainda fresco do animal moribundo.
Nada sei daquilo que escrevo.
Tudo o que digo vem da voz inquieta
que me visita no sobressalto das noites,
um fantasma solitário que me habita as profundezas
recitando os versos encharcados
de um delírio que lhe fere os sentidos;
e me escolheu para legar o espólio
de uma febre incógnita e sem limites
que lhe incendeia o espírito.

Aceito a tarefa de dar luz a essas palavras
que crescem no coração da sombra;
embrulho-as na tinta azul dos dedos
e disponho-as, em breves camadas,
nas folhas despidas do caderno.
Coloco uma virgula ali, um ponto acolá,
apenas para manter um certo equilíbrio,
mas nada altero àquilo que foi dito.
No final, acrescento-lhe uma data e assino,
fingindo que fui eu quem as escreveu.

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15 comentários:

Hanaé Pais disse...

Nada disso, escreve e escreve bem, continue.
Mas por vezes é um pouco triste, talvez a si, lhe convem.

Bi eL disse...

Olá, Rui. Aceitas com humildade a tarefa de organizar a "palavra alheia", mas também com um grande coração e uma fecunda inspiração. Obrigada por partilhares a "luz que dás às palavras". E parabéns, também. Gostei imenso do teu poema.
Um abraço. B. Luz

Maria Emilia Moreira disse...

Parabéns Poeta!
Magnífico poema, grande poder criativo, grande riqueza na" manipulação" das palavras.
Um grande abraço.
M. Emília

Rô... disse...

oi Runa,

mesmo que pense assim,
o seu pontuar dá uma outra roupagem,
as palavras alheias,
tornando-as únicas e especiais...

beijinhos

Flor de Jasmim disse...

Runa meu amigo
É por vezes no sobressalto da noite que o poeta escreve o que lhe vai alma e, é aí que está a beleza destas tuas palavras.

Beijinho e uma flor

mfc disse...

Somos seres duais...
O nosso alter ego sempre nos acompanha!
Um poema em forma de quem se olha ao espelho composto de uma forma linda!
Um abraço.

Penélope disse...

Muitas vezes o poeta enfeita as palavras, floreia, usa outras cores de tinta e assim o seu poema vai sendo o único... ímpar... Passo e deixo um abraço!!!

Reinadi Sampaio disse...

"A tarefa de dar a luz"...
Imagino ser uma das coisas mais sublime que um ser humano pode fazer, e, tu poeta, o sabes fazer de forma plena, qual uma mãe a dar a luz ao seu rebento.

Te abraço.

Roselia Bezerra disse...

Olá, querida
De fato, somos assim... só reinventamos...
Bjm de paz

Vera Celms disse...

Querido RUNA... vim lhe fazer uma visita. Senti saudade.
Teu texto é impecável! acho também que é meio assim que acontecem nossas composições. Alguem as dita, ou as entrega a nós. As palavras ficam todas acumuladas em nosso peito, prontas para sairem e antes que saiam, bordamo-as, marinamo-as, curtimo-as, lapidamo-as, perfumamo-as, com nossos ares e habilidades. Acho divino sermos escolhidos. Agradeço muito a todos os inspiradores e peço humildemmente, que continuem a nos escolher. Beijos vários de VC...

Elen de Moraes Kochman disse...

É assim que vc se sente Runa?
Um grande abraço.

SER OU NÃO SER...

Elen de Moraes Kochman

Não sei se sou poeta por dizer em versos
Tudo quanto à mente me vem, liricamente...
Ou se porque o amor e o ódio são reversos
Pra mim, que vivo o amor bem mais intensamente...

Não sei se sou poeta quando o pranto cai
Dentro do peito, por essa gente sofrida.
Ou se porque, por ideais, meu ser se esvai,
Quando a inspiração abre mais essa ferida...

Não sei se sou poeta pela dor que eu invento,
Ou se porque me perco em tanto sentimento...
Só sei que não sei mais se sou, ou não, poeta.

Porém, sinto-me poeta neste soneto,
Pois nele ponho alma e coração em dueto...
E neste instante sei que meu EU se completa!

Runa disse...

Olá, Elen

Obrigado pela visita e pelo belo soneto que aqui deixaste.

Quanto à tua questão, a resposta é sim. É assim que me sinto, a maior parte do tempo. Dadas as contingências da minha vida, familiar e sobretudo profissional, não posso ser poeta que gostaria de ser, a tempo inteiro. A verdade, é que me sobra muito pouco tempo, e disposição, para o poder fazer. Mas, há alturas em que essa "voz interior" se manifesta, num apelo que parece vir de alguém que me é estranho e que o meu único mérito é transcrever aquilo que ele me dita.
Foi isso que tentei descrever no poema.

Abraço

Runa

MARILENE disse...

E quando a voz interior se faz ouvir, a única opção é lhe dar vida, nas palavras. Seu chamado é insistente e irrecusável para quem se alimenta de sensibilidade: o poeta! Bjs.

Elis Cândido disse...

Runa
Acredito que quem é poeta o é em tempo integral... Mesmo quando não está ouvindo e atendendo aos apelos desta estranha voz que nos sussurra palavras aos ouvidos, mesmo quando absortos nas tarefas diárias e tão semelhantes as de quaisquer outras pessoas, poetas são diferentes. Poetas são POETAS! Sãos pessoas que extraem a poesia das coisas mais corriqueiras, mundanas,comuns. Da dor, do vazio, das alegrias, de um simples objeto... Os olhos do poeta são como faróis que os guiam por entre uma escuridão imensa e surda. Você, amigo Runa, é um poeta! Dê sempre ouvidos a este seu estranho amigo interior, para que possa dar vida a estas palavras e nos contemplar com mais e mais poesias.
Abraços sempre.

Patrícia Pinna disse...

Perfeito, Runa. Concordo plenamente com você!
A inspiração fala aos nossos ouvidos, dita o que devemos escrever, às vezes demora a chegar, e em outras vem como a velocidade da luz.
Somos instrumentos dela, dessa voz maravilhosa que encanta a nossa mente.
Não importa se a voz é dorida ou não, importa a lealdade que temos para com ela.
Assim escrevemos, não nos intitulamos em soberba, dando os créditos à voz, que com certeza ajudará aos olhos de quem posteriormente ler, trazendo identificação, mudança, uma reflexão, ou tão somente um estado de graça!
Parabéns, e um beijo na alma!

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Abraço. Volta sempre.

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