sábado, 31 de agosto de 2013

Depois dos cinquenta


Depois dos cinquenta
o caminho torna-se mais inclinado.
A descida acentua-se
numa descontrolada vertigem
que invariavelmente termina
do outro lado do rio
num desamparo
sem margens nem retorno.

Entretanto
regressam as vozes da sede
e o corpo se transforma num deserto
onde a febre e o pó
lentamente escavam na areia
a dormência de uma cegueira nova.
A anunciação do sono
que há de chegar.

A paisagem regurgita
para um cálice que o vento sorve
resquícios oxidados de sémen
e tudo o que se foi acumulando
à volta da pele enrugada
despojando-se daquilo que lhe foge
e já não nos pertence.
Nem nunca pertenceu.

Falta-nos ainda assistir
através das janelas embaciadas
à derrocada da claridade.
O recorte último da ruína
a preparar os trilhos da ausência
que o ocaso celebra já
sob o velho alpendre onde repousa
aquilo que nos prende ainda à vida:

A delapidada ilusão de querer ver
os filhos seguindo seus próprios atalhos
sem receio de se perderem
e ter ainda uma réstia de lucidez
e algum alento extra
para acompanhar os netinhos ao jardim.
Como uma derradeira prova a superar
antes do acerto final de contas.

___________________________________
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10 comentários:

Marly de Bastos disse...

Runa,
Quando eu tinha meus 15 anos e ouvia alguém dizer que tinha trinta e poucos anos, eu achava que já era uma pessoa muito vivida; com 40 já estava velho e aos cinquenta eu acreditava era era o descambar da vida, tipo "pé-na-cova".
Hoje pra lá dos 40 anos eu ainda acho que vivi tão pouco, que tenho "muita lenha pra queimar"nessa fogueira da vida. Parece-me que a vida passou e eu nem vivi todos esse anos...Concordo que quero ver meus netinhos brincando à minha volta, mas ainda me sinto jovem, cheia de sonhos, de projetos. Eu olho no espelho e não reconheço muito bem a mulher que reflete a adolescente que sou. Será mesmo que sou eu?
E quanto a passar para a outra margem com aquele canoeiro, eu espero que ainda demore,demore e demoreeeeeeeeee.
bjkas doces e bom domingo!

Sol disse...

a mesma estrada que todos hão de seguir..

bjs.Sol

Rô... disse...

oi Runa,

tinha um pouco de receio que os meus cinquenta chegassem,
mas agora com o nascimento da minha netinha,
os medos desapareceram,
e percebi que sempre acontece algo maravilhoso para que a vida se renove...

beijinhos

Anónimo disse...

Todos acertamos as contas.
Uns acertam na vida com um grande peso às costas, entre desgostos e sofrimentos, amarguras e revoltas.
A sua escrita é potente, mas angustiante, deve ser dos que acertam a vida, na vida.
Não ver os seus filhos sofrerem, é já um grande alento.

Abraço

Nequéren Reis disse...

Olá!!!, Deus te abençoe,o seu blog é maravilhoso continue assim, S-U-C-E-S-S-O
Já estou te seguindo, amigo texto muito bom, aguardo a retribuição.
Canal de youtube: http://www.youtube.com/NekitaReis
Fanpage: https://www.facebook.com/pages/Batom-Vermelho/490453494347852?ref=ts&fref=ts
Blog: http://arrasandonobatomvermelho.blogspot.com.br

Passarinho de Primavera disse...

Antes, do depois dos cinquenta, prefiro a irreverência dos (teus)50 anos
O mais belo desafio a paciência
A perseverança e ao amor incondicional
Nem sempre um não
Nem sempre um sim
Não ha teorias
Lógicas
Praticas assumidas
É a luta de um sonho no dia a dia
É a irreverência dos 50 anos
É a beleza de despertar para viver
É a vida no seu mais puro auge – 50 anos!

O mais puro grito de liberdade
Os 50 anos não é uma fase
Os 50 anos são o sonho dos sonhos
São os 50 anos
Sem fim a vista

A vida para além do horizonte infindável
De tudo que ainda não foi
Dito ou pensado
De destinos que não foram decididos
Por ser cedo
Afinal só tem 50 anos
E, Fim(sem fim a vista)

Passarinho de Primavera.

FlorAlpina disse...

Quanto saber existe em 50 anos!
Gostei, gosto sempre de (o)ler!

Abraço desde os Alpes

Flor de Jasmim disse...

Adorei meu amigo, sabes que também jápassei dos 50, mas o meu maior medo é o futuro das minhas filhotas e netos, neste país de sofrimento, nesta idade não está colocada de parte a ideia de imigrar, infelizmente.

beijinho e uma flor

Maria Emilia Moreira disse...

Olá Runa!
Um belo poema de quem viveu e vive meditando, amando e escrevendo o seu sentir. Para mim a fasquia já passou dos sessenta... e estou a sentir o peso...
Um abraço.
M. Emília

Penélope disse...

Amigo,para mim falta um tiquinho, mas quando chegar lá eu terei a certeza que foram e sempre serão anos bem vividos!!
Um grande abraço!!!

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