terça-feira, 22 de maio de 2012

Encruzilhada


Ocultas na ostra encerrada da infância
repousam as pérolas que o verão cuspiu
quando na boca tinha ainda todos os dentes.
Tudo se perdeu na farsa desta paisagem
envenenada pelo enxofre que o frio respira
para se alimentar da claridade que definha.

Todos os insondáveis nomes do inverno
que acumulámos durante o embalo do sono
sobrevoam os pátios de onde nos ausentámos
como barcos à deriva no mar deserto
a serem consumidos pelo feitiço das algas
numa vertigem de ferrugem e sinais inúteis.

Nenhuma voz é o som de um bater asas
que nos devolva o rasto dos trilhos perdidos
quando a névoa esmaga a luz das manhãs
e nos mapas inconsequentes da encruzilhada
buscamos uma ponte que atravesse o abismo
ou um deus que nos mostre outro caminho.

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sexta-feira, 11 de maio de 2012

Fiando o amor


Com fios de algodão
fias a flor do nenúfar
e a paisagem colorida
de um lago de serenas águas

Com fios de luz
fias o corpo do sol
e o pássaro branco
que percorre o azul do céu

Com fios de esperança
fias a árvore frondosa
e o estreito caminho
que se projeta para fora do tear
como uma porta aberta
a quem quiser entrar

Com fios de sonho
fias teu coração de prata
e repousas à sombra das margens
esperando que finalmente chegue
a hora do amor.

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sexta-feira, 4 de maio de 2012

Solução final


Os corpos despem-se
para mostrar o medo
tatuado no frio dos ossos
como quem encena um ritual
num espelho de memórias
que nunca se irão dissolver
ou quem vem do fundo do abismo
com a cegueira no olhar
para ficar gravado
no néon de uma luz demente

Os corpos respiram
enchendo os pulmões
num grito de lenha calcinada
e se encolhem no fumo
de um céu estilhaçado
como estrelas enrugadas
a destilar a nova estética
de uma febre coletiva
que a noite cospe
pelas chaminés do tabernáculo

Os corpos sem destino
são só o irrelevante pormenor
de uma alegoria escarlate
que nos visita enquanto dormimos;
um pesadelo de sombras inquinadas
num vagão de cinzas
a abarrotar de ossos doentes;
o refinado requinte do ódio
a confundir-se com o silvo disforme
que anuncia o fim da linha

O fogo
é agora a derradeira solução
desses corpos despidos de esperança
a caminho de lugar nenhum;
a expiação de um veneno
que nem os olhos conseguem descrever
e, a morte,
pintada com absurdas cores,
é apenas um recomeço
para aquilo que foi interrompido




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