
O rumor do vento a atravessar os véus do crepúsculo
faz-me lembrar por momentos teu assobio antigo
quando me chamavas, ao longe, para ir jantar
e eu tinha de abandonar a brincadeira e correr para casa
por temer que te zangasses com a minha demora.
Abro os olhos, atento ao movimento subtil das sombras,
na ilusória esperança de descortinar tua silhueta,
teu braço erguido a acenar à entrada do pátio
como quem chega de um lugar distante e esquecido.
Mas essa entrada já não existe, e tu também não.
Há muito que deixei de ser o menino que brincava na rua
e que em ti encontrava a segurança de um agitado esvoaçar.
Inquieta-me agora a ideia de não saber por onde andas,
em que esconsos caminhos te perdeste, dentro da noite,
e também eu me sinto perdido, sufocado pela tua ausência,
que recordação alguma poderá preencher. São horas de jantar
e não tenho apetite nem vontade de voltar a casa.
Se soubesse assobiar como tu o fazias, chamar-te-ia
para que viesses correndo e não te atrasasses,
mas não consigo mais do que um sopro rouco e apagado
que de certeza nunca serás capaz de escutar,
ou talvez escutes e nem sequer possas responder;
não possas largar tudo aquilo que tens para fazer
para regressar esta noite, e sentares-te comigo à mesa.
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